14 de mai. de 2009

O veneno, o vinho e o narcótico

O Veneno
O vinho sabe por no mais sujo túrgido
um luxo miraculoso
e faz surgir mais de um pórtico fabuloso
do ouro de seu vapor purpúreo
como um sol a morrer por um céu nebuloso

O ópio aumenta o que não tem mais contornos
alonga a imensidade
sabe o tempo sondar a voluptuosidade

E tudo isto não vale o veneno que emana
teu olhar, teu verde olhar,
um lago em que a alma vejo ao avesso vibrar...

Meus sonhos vêm em caravana
que a sua sede sacia e neste amargo mar
tudo isso não vale o prodigioso raio
de uma saliva que assim corta,
que leva minh'alma ao olvido num transporte
e carregando o desmaio
leve-a desfalecida até as margens da morte!
Charles Baudelaire - As Flores do Mal
Qual seria a alma que não se perderia na turgidez de um mergulho profundo desses? Nem os padres, nem os puritanos, sacerdotes e vadias, prostitutos e rainhas, nem mesmo eu estaria livre de tamanha tentação. Mais um disparate terrível em nós : a nossa vida se faz sob aquilo que a destrói. Gostaríamos de morrer desse jeito, ditosos, despreocupados, narcotizados como alguém que nunca vimos mas admiramos, no abismo das seqüelas absortas. Viver a vida, meus caros, e não somente passar por ela.

Porém muitas vezes somos atalhados pelo medo da sociedade hipócrita, por receio de seus comentários vis. Ora, que se dane a maldita classe! A elite que nos critica é a mesma que financia orgias e é a mesma que masturba a si e ao mundo, alastrando essas doenças venéreas que emanam de suas entranhas gangrenosas : suas mentes.

Eu, particularmente, cansei de falecer pelos interesses alheios. Passo, a partir de agora, a viver pelos meus próprios desvarios, como se estes fossem os últimos de minha diminuta vivência. Estou vivendo meus próprios afogamentos, em meus próprios mares esmeraldos. E vós socialutos, que devorem a si mesmos com suas repulsões. Pouco me importam seus pesadelos de cristãos oprimidos. Devorem-se, e façam disto suas ideologias.

Dêem uma bela tragada em suas entranhas verminosas, engulam “tudo o quanto há de repulsivo em vossas tigelas de madeira” – diria o encanecido Nietzsche. Mas só não devorem minhas palavras, pois seria um fenecimento muito triste e insuportável, até mesmo para mim. Desejo que suas excretas continuem as mesmas, apesar de tudo. E de suas músicas guerrilheiras façam a dança de suas conduções ao nada; de seus sonhos façam, ou melhor, perpetuem este inferno que tão “bem” nos acolhe; “aménizem” nossas dores proletárias e de nossas vocações façam suas toalhas de mesa.

O vosso cancro já está aberto e eu não deixarei que vós o cicatrizeis. Sofram , muito confortavelmente em vossos leitos, peles e plumas de pavão e do que quer que seja de mais dispendioso existente neste mundo. Contudo não durmam e não se espantem ao verem meu espectro em vossos sonhos.

À um indigente que vi recentemente a comer o lixo de uma calçada.
[Domingo, 10 setembro, 2006]

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